sábado, 13 de novembro de 2010

7x02 - Superfreak

Eu não sei se posso ser feliz sendo uma encanadora.


I´m lost. Porque eu não sei mais quem ou como eu sou, pra onde eu tô indo, como e se estou fazendo a coisa certa. Eu não sei, simplesmente não sei e estou assustadoramente sozinha nisso. Não há um nome para o formulário. Nobody is my person.

Eu não sou o que eu sou paga para fazer, para onde terei de voltar em quatro dias. Eu não sou uma policial, eu não sou uma mocinha de escritório. Não sou. E o problema não é a carreira, porque é a melhor que há na instituição, nem o lugar, que é confortável, nem minhas colegas de trabalho, que são ótimas. O problema sou eu. A verdade é que isso não me completa, não me desafia, não me faz crescer, não me faz nada, só me paga para fazer. Eu sinto muito e quase chego a lamentar que pague minhas contas, porque paga. Mas não lamento. Porque o trabalho não é ruim e se ainda estou lá é por incompetência, e mérito, meus.

Mas não é o que eu sou, sabe, quando me perguntam o que você é, ou quando na ficha tem que por a profissão, eu sempre, sempre, respondo, estudante. A resposta é sincera e evita uma ladainha desenfreada sobre como a pessoa acha que os bandidos devem morrer (sim, eu sou a favor dos direitos humanos, e não vou discutir isso), mas, por outro lado, traz consigo o medo de que a próxima pergunta seja "estudante do quê?".

Isto posto, há outra coisa que se considerar. Eu tenho 29 anos, e para algumas coisas a paciência está se esgotando. Há muito pouco para as coisas que eu não gosto, um pouco menos para as que eu não entendo e quase nada para o que eu acho idiota. Eu faria mais vinte vezes a faculdade de filosofia, estudaria até o fim dos meus dias química ou biologia, mas, quanto tempo mais eu aguento ver e rever toda a matéria do ensino médio? Quanto tempo mais eu tentarei entender figuras geométricas tridimensionais? Até quando eu vou conseguir sorrir, usar roupas que eu detesto, sapatos que não foram feitos para andar, arrumar o cabelo, e essas baboseiras sociais todas, sem surtar, sem sair por aí gritando feito louca?

Estou tão perto de perder tudo, tão perto que não posso arriscar a minha sanidade mental por ter forçado demais a barra. Por isso eu me dou três anos. Se em três anos eu não estiver lá, aterrorizada por fazer faculdade com as crianças do jardim da infância (porque elas estavam no jardim da infância quando eu estava no 2° grau), recebendo meu kit calouro e tendo o direito de sonhar com o juramento de Hipócrates, então eu desisto. Se em três anos eu não ganhar, então eu perdi. Pronto. Fracassei. É passar um ano chorando, bebendo, viajando o mundo a pé, ficando louca e depois voltar e ver o que pode ser feito. Eu terei então 34 anos e uma vida inteira de roupas policromáticas pela frente. Sempre existirão as séries médicas e os video-games para eu ser feliz, talvez eu supere, talvez não, mas a tortura de se ver outra vez imersa no colegial sem conseguir sair vai acabar. É uma dor a menos.

Não bastasse essa coisa da profissão, vez ou outra eu me pego pensando em outras coisas assustadoras. Eu tenho tendência ao vício, ao suicídio, à depressão e à loucura. E eu som alguém sozinha. Ninguém me entende. E quando eu digo que ninguém me entende, não é a só aquela sensação de vazio adolescente. Quando eu digo ninguém, eu quero dizer ninguém, nem eu mesma às vezes. As pessoas, me analisam, acham que encontram uma lógica e se sentem bem com isso. Sabe, a coisa do ela não tem mãe explica tudo. Os amigos, eles me acompanham, mas eu não sei, eu não sinto, que realmente me compreendam. Eu tenho a sensação de que para eles tudo bem eu ser assim, não faz sentido, mas tudo bem. A única pessoa que já me viu lá, naquela lugar escuro e frio, que praticamente salvou minha vida, já me disse que não me entende. Que me apóia, mas não me entende. Isso é lindo, verdade, mas dói. Dói, porque fazer o outro entender que está doendo, é confortante, mesmo que ele não possa fazer nada. Por isso existe o AA, para a pessoa se sentar e, por alguns minutos, ver que ela não está sozinha, que tem gente no mundo que entende o que ela está passando. Desde que eu me percebi viciada em dormir, para quantas mais pessoas eu conto, mais pessoas eu faço rir, mais gente existe pra me chamar de folgada e preguiçosa. Se eu dissesse que era viciada em drogas, ninguém me mandaria fumar um baseado antes do horário pra ver se na hora a vontade passa, mas quando eu digo que não consigo controlar quanto eu durmo, me mandam dormir mais cedo. Eu até entendo que ninguém me entenda, mas eu não entendo porque as pessoas não podem me levar a sério, por que elas não podem simplesmente dizer, nossa, tomara que vc encontre tratamento?

Quando você cai e machuca o joelho, ou corta o dedo, e sai muito sangue, ninguém ou quase ninguém diz que é coisa da sua cabeça, que é porque vc não encontrou a faca certa, ou porque vc faz questão de ser diferente do chão ou que, tá vendo, vc está sorrindo, no fundo você gosta de arrancar pedaços de si. As pessoas respeitam, porque elas sabem que aquilo dói e que elas não podem fazer nada a respeito. Quando tem uma festa, e eu tenho que comprar um vestido, ou colocar um salto, fazer o cabelo, ninguém entende meu desespero, porque eu sei o quanto vai doer, os outros não. E quanto eu chego na tal da festa, eu não encontro apoio em um rosto sequer, ninguém para estender um copo de água, para oferecer um band-aid, pra perguntar se eu quero ir para o hospital. Não, mas há uma legião de familiares, amigos e desconhecidos pra me dizer o quanto eu estou linda, que me faz bem se arrumar de vez em quando. Eu não queria sofrer assim, não mesmo, não queria querer morrer toda vez que alguém me convida para um casamento. Mas quem consegue evitar a dor quanto derruba algo grande e pesado em cima do dedão do pé? Eu estou dizendo coisas sem sentido. No fundo, o que eu queira saber é como eu vou deixar de ser sozinha, se algum dia eu farei parte de um casal, se alguém vai ser capaz de amar o alien psico-sociofóbico que eu sou. Não há nada de errado em querer não ser só eu a vida toda, né? Isso quase me faz normal, eu acho.

Voltando, o ponto é que eu estou com medo, aterrorizada. Eu não vou passar no vestibular este ano. Não vou. Ainda que todo mundo fique me dizendo que sim, eu não vou, até mesmo porque não seria justo com as outras pessoas. Não é pensamento negativo, é encarar a realidade, exercer o direito de chamar as coisas ruins pelos nomes feios que lhe dão. Não ter condições significa não ter condições. Eu devo uma puta grana porque paguei o cursinho a vista, eu escolhi o cursinho, o horário, eu tirei férias e, ainda assim, eu só assisti a uma única semana inteira de aulas. A primeira. Só. Depois houve motivos e desculpas e eu nunca mais consegui. A verdade é que eu me matriculei para poder ficar em casa sozinha, em paz. Não era pra ser essa grande mentira, mas virou. E não é verdade que se eu não consegui me dedicar é porque eu não quero mesmo fazer medicina. Não é verdade. Eu posso não saber o que eu quero, mas eu sei o que eu não quero, e a medicina não está na lista do que eu não quero. Pelo menos não por enquanto.

Tudo bem, eu não vou passar, ano que vem tá aí, a gente faz cursinho de novo, vamos para a turma da noite, vamos fazer do jeito que eu acho certo e não do jeito que todo mundo diz que tem que ser. Ok. Mas e se não der certo? E se eu não aguentar mais um ano fazendo coisas que eu não quero fazer, estudando coisas que não fazem sentido pra mim, sem ter uma única coisa que me faça feliz além da minha gata? E se meus gatos morrerem, ou ficarem doentes, o que vai me restar de meu, pra sorrir? Este ano não li uma página de filosofia, nem uma única página, e eu amo a filosofia. Não fiz uma única viagem, não tomei sol de biquini, não fiquei bêbada, e nas duas oportunidades que tive de relaxar eu só queria vomitar. E no que isso deu? Numa grande mentira. Num troféu colocado no meio de um labirinto. Um trófeu que é uma chave de portal e me leva direto para um cemitério cheio de fantasmas.

Não sei. Só sei que até escrever, que era a única coisa que eu sabia fazer direito, eu não sei mais. Agora escrevo textos longos, confusos, mal escritos e sem final.
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